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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Um projeto: pensar

 Dizer que "esta é uma criança arteira" refere-se a um certo tipo de comportamento infantil que não é capturado, qual transita entre a criatividade, loucura e, aproveitando a deixa, genialidade... coisas que sempre estiveram de mãos dadas. Claro, não é à toa que durante a ditadura esse núcleo (da criação, aquilo que gera uma possibilidade de experimentação da diferença) foi estupidamente censurado. Quer dizer, ao menos tentaram, pois novamente os artistas criaram outros meios de realizar suas obras.

 No entanto, o que posso perceber atualmente é uma situação diferente: uma arte que vem sendo cada vez mais cafetinada. Na verdade desde há muito existe essa tentativa, só que no panorama atual essa instrumentalização ganhou outros nomes (trabalhando com conceito do gozo, como "abra a felicidade") e agindo em pontos do prazer/conforto dos homens. Esconde-se entre carregadores de dispositivos a coleira de um cachorrinho que se ofende facilmente se alguém tentar pensar essa pendenga. Aproveito: a sacralização dos gostos é um tipo de política daqueles que tem na boca o tão fácil "mas isso é uma questão de gosto".

 Não desejo entrar em méritos de "eu gosto ou não gosto"; não estou para dizer do que se deve ou não gostar, mas sim exercer o pensamento em torno de. Toda forma de cultura que modifica o agir (ou interrompe) provoca uma mudança de política. E tudo é política! Não existe "eu vou tomar um cafezinho ali e deixar de fazer política um minutinho". Dentro de um sociedade (e estamos todos em alguma, não?), este é o sol que sempre nos iluminará.

 O cônsul-geral de Israel, frente à proposta de rejeição dos artistas ao patrocínio de seu país na Bienal de SP (por causa das ações na faixa de Gaza), deu uma resposta que achei engraçadíssima, mas que me é muito comum ler/ouvir por aí: "afirmou que é ilógico misturar o tema político com o segmento cultural". Não existe essa separação de: ESTE é o segmento cultural e AQUELE é o segmento político. Isso serve para prestação de contas, mas não no processo da vida. 

 Essa resposta (ou forma de pensamento) é facilmente adotada por ser mais simples empurrar a responsabilidade dos fatos (que cabe a cada um) a um outro: /a sociedade (que são todos menos eu); /os pais que me criaram assim e não daquele jeito; /o governo; /os genes deterministas...... ... e por um motivo óbvio: tal responsabilidade incide no desejo de continuar obtendo prazer e conforto dentro do que se tem como gosto próprio. Ou mesmo interrompê-lo, o que é o pior, já que essa instrumentalização da arte (e dos sentidos portanto) não permite a compreensão de uma experiência artística diferente.

 Essa incapacidade de duvidar do próprio gosto; de pensar o próprio gozo e talvez perceber que alimenta aquilo que lhe torna menor, é o que me faz seguir neste projeto. Perceber num pensamento coletivo homens que se vêem enquanto agentes inativos no papel da cultura e política pra preservar seu próprio gosto, defender suas marcas e bandeiras. Mas quero faze-lo num modo natural de compreensão: não ensinar, senão incitar/excitar o pensamento. Se difícil entender, resumo: contra a cafetinação da arte enquanto um barateamento da experiência.

 Importante mencionar. Deve-se se afastar do preconceito e pré-julgamento acerca de gêneros e dispositivos de arte: o funk é tão importante quanto o rock, o cinema é tão importante quanto a TV; e um livro é tão prazeroso quanto uma pista de dança. Sei que é difícil propor, mas vamos nos colocar longe das disputas dessas diferentes formas. E o sexo, a violência, as drogas e o dinheiro sempre foram temas dentro da arte, mas que podem ser postos de forma a emancipar um pensamento/experiência ou aprisionar um desejo. Minha impressão é de que num jogo de discursos muito bem feitos, esconde-se o segundo ponto dentro dessa arte instrumentalizada/capitaneada.







Cafajeste

Marcelo me ligou

Me chamou para jantar
João já comprou flores
Mandou me entregar



Até declaração
O Pedro já me fez
Thiago já avisou
Que vai até o final



Só que tem um porém
Todos eles não sabem
O que eu gosto mesmo
É de amor com sal



Eu gosto é daquele cafajeste
Aquele que não liga
E que não me merece



Que só faz coisa errada
E que me enlouquece
Chega, faz e acontece



Eu gosto é desse animal
Por ele sou capaz 
De crime passional
E de outras loucuras 
Fora do normal



Amor, piração total