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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Legião Urbana - de volta à arena

Não sou apreciador de futebol mas, no momento em que teclo este texto, o Brasil está sendo eliminado da Copa pela França e, assim, o papo que estava marcado com toda a Legião Urbana na casa do guitarrista Dado Villa-Lobos (ele e Fernanda, sua esposa e empresária da banda, acolheram os prafrentex durante os jogos em seu apartamento na Gávea) está cancelado. Acabei tendo de conversar com a turma nos intervalos da gravação do clip da primeira faixa do álbum Legião Urbana Dois, "Tempo Perdido", nos etudios RGB, em São Cristóvão, subúrbio carioca.

Quase dez da noite e são dados os últimos retoques na iluminação para o começo dos trabalhos. No camarim, entre mordidas de maça, eles vão falando sobre o novo disco. A princípio havia a possibilidade de um álbum duplo que atenderia pelo pomposo nome de Mitologia e Intuição. Seria duplo porque incluiria músicas muito antigas e que, agora, dificilmente sairão da gaveta. Entre elas está a épica "Faroeste Caboclo", que dura mais de 10 minutos e só foi apresentada em poucos shows.Agora, nem pensar. Haveria também uma nova versão de "O Senhor da Guerra", criada para um especial infantil da Rede Globo no ano passado, mas com um pique mais pesado.Outras que ficaram de fora são "Tédio" e "Conexão Amazónica". Dado explica que a gravadora considerou economicamente inviável o álbum duplo. Nenhum artista brasileiro de rock ainda apostou neste tipo de projeto. O material que compõe Legião Urbana Dois Começou a ser criado em dezembro de 1985, durante a pré-produção das bases. Em janeiro foram feitas as primeiras gravações, o Carnaval forçou uma parada (pois coincidiu com as férias Coletivas da gravadora) e em março o trabalho já estava praticamente concluído. Abril foi gasto com as mixagens. Ao contrário da estréia do Legião, este álbum chega às lojas e às rádios precedido de imensa expectativa. Quando foi lançado o primeiro disco, a gravadora achava bom atingir cinco mil cópias de vendagem. Renato Russo, o vocalista, apostou em 50 mil. No final já foi ultrapassada a marca das 80 mil unidades e falta bem pouco para se agarrar o Disco de Ouro.

Sobre as músicas que fariam parte de Mitologia e Intuição. Renato Russo quer arrematar que ficou chateado com a exclusão sumária de "Grande Inverno da Rússia" (assinada por um dos co-autores de "Ainda É Cedo", Ico Ouro-Preto) e da então proposta faixa-título, uma vinheta composta pelo baterista Marcelo Bonfá. Eram muito boas, explica Renato, mas só tinham sentido naquele projeto.

Mas mesmo no novo disco também ficou de fora uma música que o Legião já vem apresentando em show há mais de dois anos. É "Juízo Final", do carioca Nelson Cavaquinho, recentemente falecido: uma letra que bem poderia ter sido escrita pelo igualmente "ido" Ian Curtis (do extinto Joy Division) e que nos shows ganha uma roupagem bem New Order (a continuação do Joy). Esta faixa fecharia o lado B, mas sua inclusão comprometeria a qualidade do som do disco, pois exigiria um estreitamento dos sulcos. Em compensação, o cassete virá com uma faixa extra (hábito que começa a ficar comum aqui pelo Brasil): "Química", tomada nacionalmente conhecida pelos Paralamas do Sucesso. Ela aparece, agora, numa versão ao vivo, feita para o programa Clip Clip.

A banda conta que trabalhar neste disco foi muito melhor que na primeira vez, embora a fissura da estréia tenha sido maior. Com todos os integrantes morando no Rio, não há mais a tensão de correr. Nem a saudade de voltar para casa, que resultou na criação de "Por Enquanto", a única música do primeiro álbum que o Legião não apresenta em shows (ela apenas aparece em fita, como uma espécie de "coda", ao final de cada apresentação). Mas Renato avisa que, na próxima temporada, "Por Enquanto" será incluída no repertório, com outro swing. Trazido de Brasília, o Legião está vivendo como todos os cariocas. Bonfá se dedica cada vez mais ao body-board e, graças ao esporte, adquiriu um invejável bronzeado. "É demais", explica ele, "me dá uma energia maior para enfrentar a bateria. As vezes vou parar em Guaratiba (bem mais longe que a Prainha, ponto da Barra da Tijuca onde costuma ir assim que o sol aparece)." O esporte afastou Bonfá da vida noturna nos "baixos". Contudo, ninguém desta banda é muito chegado à noite. Renato mora na distante Ilha do Governador e prefere ler, ouvir música e ver filmes. Dado leva uma vida bem caseira ao lado de Fernanda. Gosta mesmo é de apostar nos páreos do Jóquei Clube e descobrir restaurantes exóticos. O baixista Renato Rocha (Negrete) vê desenhos animados na TV, gosta de cross e está pensando seriamente em comprar uma asa delta para começar a voar com sua namorada.

Talvez aí se encontre a explicação do novo enfoque das músicas do Legião, conforme observa Renato Russo. "O segundo disco não está tão dirigido a coisas externas: Estado, política. Esse é superinterior, mais o lado emocional das pessoas. Se bem que tem coisas sociais, como´Metrópole´, e muita coisa sobre sexo, como o ´Daniel na Cova dos Leões´ (que já existia antes do começo das gravações). Mas não são músicas românticas no sentido banal da palavra, e sim sob o prisma mais da amizade que da paixão. Tem ´Eduardo e Mônica´, que trata do lado da vida do casal, mas em si não é uma coisa romântica."

Há, também, "Música Urbana II", uma canção cústica bem ao estilo dylanesco. É parente de "Música Urbana I", gravada pelo Capital Inicial e parte do repertório do Aborto Elétrico, o embrião do punk brasiliense. Não se pensou em fazer algo na linha de "Geração Coca-Cola II", pois sabem que os verdadeiros fãs do Legião reconhecerão a banda neste disco. A mudança de som que se pode vir a contestar é fruto lógico da evolução da banda, mais afiada após inúmeros shows.

Antes do término de nossa conversa - e do reínicio das gravações do clip - embrenhamos por uma divagação sobre desenhos animados. Só Dado ficou de fora. Os desenhos favoritos de Renato são "Jonny Quest" e "Os Impossíveis". Para Negrete, os bons eram "Dick Tracy" e "Janjão, Coração de Leão". Bonfá fica com "Corrida Maluca" e "Roger Ramjet". Fecho com eles citando "Os Herculóides" e "Space Ghost". De "Batman" - o filme - todos gostam.

Antes de partir para a frente da câmera, Renato faz questão de dizer que é fã do Sérgio Brito, dos Titãs, "pelo modo como ele interpreta as músicas". Dado aproveita para eleger Redson, do Cólera, a figura mais carismática do rock. Renato concorda: "Acho o Redson supersincero". Opinião apoiada por todos, que reclamam uma urgente volta do Legião aos palcos. Afinal, o último show - e um dos melhores - foi em abril, na Unicamp,junto com a apresentação da peça "Feliz Ano Velho", escrita por um fanzão do grupo, Marcelo Rubens Paiva. Para todos foi emocionante e histórico, pois reuniu mais de seis mil pessoas, provavelmente um público recorde para qualquer peça nacional.

Fim de papo. Naldo, o road-manager, arrasta a banda para fora do camarim. Renato está sem óculos, uma decisão ditada mais pela praticidade que pela vaidade ("eu pulo muito e suo bastante"). E se movimentar bastante é o que ele faz quando o clip volta a ser rodado. O cenário é composto apenas por uma tela de televisão, onde vão sendo projetadas imagens de alguns veteranos do rock em sua mais tenra juventude - Brian Wilson (dos Beach Boys), Jimi Hendrix (irreconhecível de militar), Bob Marley (de smoking), Bob Dylan (imberbe), Mick Jagger (penteado "reco"),John Lennon (em Hamburgo). A câmera movimenta-se em círculos, suave e sinuosa, como a própria música. Ecoa no cimento do estúdio o refrão da música: "Somos Tão Jovens". E Renato, sem aviso, dá uma de suas mais vibrantes performances. Rodopia, dança, sacode o pesado pedestal do microfone e destrói, assim, todo o piso.

O diretor grita: "Parou, descanso para a banda". Renato Russo está suando em profusão. E está sorrindo.

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