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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Morrissey no BR


A RAINHA NÃO ESTÁ MORTA

Ainda que o show do Echo & the Bunnymen, realizado no mesmo Opinião em que Morrissey se apresentou pela primeira vez no Brasil, tenha mostrado como é possível envelhecer com dignidade, e apesar de terem me garantido que o show da biba que mais sofre (sofria?) no mundo era muito bom, a indisfarçável desconfiança de que a apresentação do ex-Smiths pudesse ser mera nostalgia ou algo anacrônico como o cabelo espetado e "dark" do Robert Smith dos anos 80 era muito forte. Dos Smiths, aquela banda do vinil clássico de Truman Capote pulando feito uma gazela (Morrissey?) na capa, podia se esperar tudo. De Morrissey, uma década depois do fim da amizade/parceria com Johnny Marr, eu esperava pelo menos dignidade. Vi muito mais do que isso.

A impressão inicial de decadência na melhor linha Elvis (de um Morrissey mais gordo e de longas suíças) foi tão logo estilhaçada que já deu para ficar emocionado com os acordes iniciais da banda de rockabilly mais cool do planeta. Alegre como convém a quem atraca na capital sulista, Morrissey foi interativo ao ponto de eu questionar o quão falsa era sua tristeza gay dos velhos tempos de Smiths. Performático feito um crooner de cabaré sob um cenário de Twin Peaks, Morrissey justificou a fita gravada com "My Way" no final do espetáculo antes mesmo de ele chegar à metade. Lotado, o Opinião vibrava numa freqüência muito especial, entre o saudosismo e a satisfação, e as cinco canções dos Smiths interpretadas funcionaram como prêmio, nunca consolo. O Morrissey que Porto Alegre esperou tanto tempo para ver, ainda que sem os Smiths, desmentiu seu "everyday is like sunday" numa sexta memorável. Não por ser um ícone, mas por se manter um mestre do entretenimento. Não por recorrer a canções clássicas de sua ex-banda (e olha que isso é o que não falta), mas por recuperar para a minha memória a beleza poética de "Half A Person" ou destilar petardos do vôo-solo como "The More You Ignore Me" e arrancar lágrimas que eu não fiz a mínima questão de esconder (afinal, "boys don’t cry" é bobagem daquela outra banda bacana dos anos 80).

Em um teatro-bar com capacidade para 1 600 pessoas, eu vi Morrissey a poucos metros de distância e concluí que estava certo quando idolatrava os Smiths. Sua visita demorou. Mas não foi tardia.




Olympia, São Paulo (SP), 4/4

Assim como Elvis, Moz não morreu. Tanto nos corações dos fãs quanto no plano físico, ao contrário do rei do rock. Há grandes semelhanças entre ambos, como a idolatria desmedida, o eterno culto ao astro, os timbres de voz marcantes. Mas se Presley foi acabar balofo, cantando para endinheirados em boates de Las Vegas com aquelas roupas cheias de lantejoulas e golas ridículas, Morrissey ainda tenta preservar seu charme original dos tempos dos Smiths.
Claro que ele está com 40 anos, uns bons quilinhos a mais e até o topete - outra associação imediata com The Pelvis - anda meio ralo. Mas isso não impediu que uma legião de aficionados aclamasse incondicionalmente o ídolo no Brasil. Fui vê-lo em São Paulo, mas uma garota de Curitiba, conhecida de amigos meus, me ligou dizendo que tinha adorado tanto o show que estava voando para cá para vê-lo novamente. Pediu dicas de como se deslocar do aeroporto de Congonhas ao Olympia e chegamos até a marcar um encontro, mas ela acabou não vindo.

Este fato específico não foi único: vide as duas americanas que estão acompanhando a atual turnê Oye Esteban! pelo mundo afora, uma delas assistindo a mais de 70 shows do cantor. Sem falar na babação de ovos praticada pela imprensa em geral, para quem Morrissey é o "maior inglês vivo", "único", "incomparável" e por aí afora. Tudo isso fazia supor que aquele seria um espetáculo sensacional, inesquecível, imperdível.

OK, não foi bem isso o que aconteceu. O público do local não se restringia apenas a viúvas dos Smiths, na faixa dos 40: havia desde pessoas de mais idade até adolescentes que deviam estar nascendo quando o ex-grupo de Moz lançava o seu primeiro disco. Porém, todos comungavam na veneração total ao cantor, que não fez concessões ao público e apresentou praticamente um show padrão em todas suas performances por aqui.

Claro que as músicas de sua carreira-solo têm valor e são as coisas que mais se aproximam dos antigos trabalhos dos Smiths. Afinal, o que fez Johnny Marr desde que saiu do grupo, exceto acompanhar outros artistas e formar o esquálido Electronic, com Bernard Sumner, do New Order? Canções como "Ouija Board, Ouija Board", "I Am Hated For Loving" e "November Spawned A Monster" levaram a platéia ao delírio, devidamente escoradas pelas guitarras de Boz Burrell e Alain Whyte, que substituíram Marr a contento.

Mas a atração principal era a relação do cantor com seu público fiel. Flores, cartazes, álbuns de fotos eram atirados incessantemente ao palco e retribuídos por camisetas jogadas por Moz, imediatamente estraçalhadas pela platéia. Alguns gaiatos conseguiram até subir ao palco e só não foram retirados aos tapas pelos seguranças por interferência do próprio Morrissey. O cara pode até ser "sensível", mas grande parte de seus admiradores se assemelham a uma horda de fanáticos.

Em uma das poucas músicas dos Smiths em seu repertório, estava o libelo vegetariano "Meat Is Murder", postura que Moz assume radicalmente. Chegou a ser dito que ele pararia o show ou simplesmente não subiria ao palco se soubesse que estava sendo vendido algum tipo de comida com carne nas casas onde se apresentasse. No entanto, na lanchonete do Olympia uma funcionária informava que o cachorro-quente era R$ 5,00 e a porção de churrasco saía por R$ 15,00.

Celso Pucci

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