Páginas

terça-feira, 30 de novembro de 2010

OS SMITHS ESTÃO ENTRE NÓS

Nas lojas, seus discos vão sumindo das prateleiras. Nas FMs já correm soltos nas melhores programações, deixando a moçada com água na boca. De onde eles vêm? O que dizem? Será Morrissey algum semideus? Thomas Pappon Informa

Nos tempos de colégio, Johnny Marr gostava de usar roupas que deixassem as pessoas certas de que pertencia a uma banda de rock, e espalhava pela escola que ainda botaria um disco nas paradas. Hoje ele tem 22 anos, é o guitarrista predileto dos leitores e críticos das publicações inglesas de rock e também um dos responsáveis diretos pela música que deu fama ao grupo inglês mais falado do momento: os Smiths.
O outro responsável pelo sucesso do grupo, o cantor Morrissey (que aboliu o prenome Stephen), abandonou a escola aos 16 anos para manter uma vida reclusa em meio a livros e posters de James Dean, fundou um fã-clube dos New York Dolls e, dizem, passou boa parte do final da adolescência sentado na cama decidindo o que dizer quando ficasse famoso. Hoje ele tem 26 anos e é literalmente adorado pelos fãs do grupo. Marr e Morrissey realizaram um sonho conjunto: são famosos pelo que fazem, pensam e dizem.
Os dois compõem (música e letra, respectivamente) todas as canções dos Smiths, que é completado por Andy Rourke (baixo) e Mike Joyce (bateria). Lançaram seu primeiro LP em 84 pela gravadora independente Rough Trade. Intitulado simplesmente The Smiths, o disco entrou direto nos primeiros lugares da parada inglesa e eles foram aclamados como grande revelação do ano e uma das poucas atrações inovadoras e férteis da nova geração britânica. Ainda em 84 surgiu o segundo LP, Hatful of Hollow, uma coletânea de compactos e sessões de rádio gravadas ao vivo dos programas de John Peel e Kid Jensen, na BBC. Novamente, primeiro lugar nas paradas, sucesso de crítica etc. No ano seguinte, pintou o terceiro LP, Meat is Murder, e, mais uma vez, etc. Em meados do ano passado fizeram a primeira excursão pelos EUA e agora começam a ser conhecidos no Terceiro Mundo.
A WEA está lançando no Brasil quatro LPs dos Smiths, inclusive o último, que acaba de ser gravado. E eles são moralistas, detestam vídeo clip, sintetizadores, roupas extravagantes e ainda estão na Rough Trade. São um fenômeno musical e mais do que isso: a prova de que simplicidade e credibilidade são elementos capazes de conquistar os corações de milhares de jovens do mundo inteiro.
A simplicidade é o valor herdado do movimento punk: melodias simples, entrelaçadas por dedilhados e arpejos de guitarras sobrepostas. Assim como o punk deu um basta às sofisticações musicais do rock da década de 70, os Smiths deram um não às dissonâncias, às distorções, e ao pós-punk pesado e cada vez mais repetitivo. Nas guitarras de Johnny Marr, um manifesto de calor e otimismo, o contra-peso perfeito para os tristes apelos de Morrissey. E é aí que entra o coração, o sentimento, é aí que se fortifica a imagem do grupo, é quando aqueles que estão ouvindo se aproximam, porque crêem.
Morrissey fez o mundo acreditar novamente na sensibilidade masculina. De natureza introvertida, ele se expõe nas letras, fala de sua infância, amor, e dos valores prezados por quem teve uma adolescência marcada pela insegurança, como em "You´ve Got Everything Now", do primeiro LP: "Eu nunca tive um emprego! Porque nunca quis ter um!... Eu nunca tive um emprego! Porque sou tímido demais". Morrissey diz o que pensa, e é capaz de comover até quando assume a defesa do vegetarianismo, do qual é adepto há dez anos, em "Meat is Murder": "Esta linda criatura deve morrer! Uma morte sem razão! E morte sem razão é assassinato!... Você sabe como morrem os animais? / Aromas de cozinha não são muito agradáveis! Não é aconchegante animador ou simpático! E sangue quente e um odor profano! De assassinato".
Ao contrário da maioria dos astros da música pop que investem na imagem do "homem vulnerável" (Boy George, Marc Almond, Prince), Morrissey promove, segundo Jon Savage, da revista americana Spin, "a imagem do homem que revela suas emoções sem demonstrar fraqueza e que pode ser masculino sem ser machão". Lógico, tudo depende também de como as coisas são ditas e aí temos mais um ponto que intensifica o brilho da alma franciscana de Morrissey. Sua voz marcante, sempre em primeiro plano, flutua por melodias repetitivas, com divisões que lembram estruturas poéticas tradicionais declamatórias. Quem ouve ele cantar percebe no ato que ele tem uma relação real com o que diz, que ele de fato sente o que canta (permito-me aqui estabelecer um paralelo entre Morrissey e Renato Russo, da Legião Urbana).
E os Smiths são enriquecidos por sua cozinha, formada por Andy Rourke e Mike Joyce, dois jovens da geração de Johnny Marr (foi o próprio Marr que declarou à Melody Maker que, se Elvis Presley tivesse Andy e Mike o acompanhando, ele teria sido muito mais famoso do que foi). Por último, vem uma certa mistificação em tomo da cidade de onde o grupo surgiu, Manchester, o que faz lembrar no ato coisas como fumaça, sujeira, tristeza, solidão e bandas que interpretam tudo isso com, digamos, arte. Estes são o "Os Silvas", talvez a banda de rock mais importante da atualidade.

Nenhum comentário: